A fibra de uma trabalhadora apaixonada por futebol

A fibra de uma trabalhadora apaixonada por futebol

Uma mulher batalhadora, corajosa e apaixonada por futebol. Essas são algumas das características e qualidades da Luciana Pereira Flores, 33 anos, mãe solo do Nathan e funcionária do Frigorífico Silva. Com ela, marcamos a coluna Nossos Talentos do mês de março de 2024!

Paixão que vem da infância

Como criança moradora de bairros populares em cidades pequenas, no final do século passado, nossa entrevistada sabe o valor de um campinho para tomar aquele contato todo especial com a bola de futebol. Tudo começou ali, nos campinhos de terra, conta a atleta que hoje mantém o gosto pelo esporte junto com outras responsabilidades que a vida vem lhe apresentando.

A rotina de trabalho de Luciana começa bem cedo. As quatro horas ela sai da sua casa, em São Sepé, e se desloca todo dia para Santa Maria onde trabalha no setor de desossa do “Silva”.

Em campeonato sepeense, 2022: retomada pós-pandemia

Sim, é desse modo que os funcionários e funcionárias do Frigorífico costumam denominar a empresa que congrega equipes de futebol sete e de salão, incluindo aquelas formadas por mulheres, as quais participam ativamente dos torneios da categoria, como as Olimpíadas Estaduais e o Pré-Olímpico do SINTICAL.
Luciana é uma dessas atletas, mas, além disso, é reconhecida entre colegas como uma espécie de coordenadora técnica, como relata o diretor do sindicato, Rogério Aguirre, também funcionário do Silva. Quando querem saber se as meninas irão participar dos torneios é a ela que se dirigem: “E aí, nega? Vai botar time? ”

Com Nathan em seletiva para Olimpíada de Santa Rosa, 2019

A atleta que exibe orgulhosamente medalhas conquistadas em várias Olimpíadas da Alimentação (foto acima) confirma essa disposição para organizar as equipes, mas não esquece que é uma tarefa assumida com colegas que vão sendo convidadas a engrossar o futebol feminino do Silva. “A gente conhece quem joga até pelo caminhar”, diz ela, rindo.

A paixão pelo futebol começou na infância pelos campinhos do Bairro Cristo Rei, em São Sepé, onde foi aprimorando o esporte, através de projetos educativos comunitários. “Eu jogava no meio dos guris, às vezes com mais uma amiga, mas tinha que ir uma para cada lado”, conta Luciana, lembrando que era preciso negociar com os meninos porque, segundo eles, os times iriam ficar muito fracos com duas jogadoras de um lado.

A atitude dos meninos da época, contudo, não esmoreceu a garra de quem seguia ocupando o campinho e dali saia para jogar taco na rua, outra das suas brincadeiras prediletas, enquanto Dona Maria Ledi, a mãe, ficava de “cabelo em pé”.

Quebrando tabus

Aluna da EMEF José Gabriel de Moraes Brenner, no mesmo Bairro Cristo Rei, participou do projeto AABB Comunidade (Associação Atlética Banco do Brasil) , que garantiu o aprimoramento em Futsal e Futebol Sete. “A AABB foi uma base boa”, reconhece a atleta que seguiu “quebrando tabus” pelas quadras e campos em campeonatos municipais e estaduais como os JEES (Jogos Escolares de São Sepé) e os JERGS (Jogos Estaduais do Rio Grande do Sul).

Campeonato Municipal em São Sepé

Pensando a sua experiência no campinho, na quadra e na empresa, Luciana reflete sobre o espaço das mulheres a partir da sua trajetória. Na sua avaliação houve uma evolução, “eles quebraram um pouco do topete” embora alguns ainda pensem que futebol é coisa para homens.

Essas posturas machistas não abalam o humor da trabalhadora que também enfrentou o desafio da maternidade com muita disposição. “Eu sei por mim mesma, sou mãe solo, ele nem paga pensão, mas temos uma vida muito boa”, afirma Luciana, destacando o bem viver do seu filho no Bairro Cristo Rei junto a uma família extensa, presente e festiva.

A convivência com o bairro de sua infância só não é maior porque Luciana, assim como outras mulheres que moram ali, têm de buscar trabalho fora da cidade. Esse, aliás, é um dos motivos para que o time Meninas da Vila Cristo Rei tenha se dissolvido, comenta a trabalhadora, explicando as dificuldades das mulheres, no contexto de classe, em continuar jogando futebol. Além disso, ainda aponta os impedimentos advindos com as duplas e até triplas jornadas ou até mesmo a falta de apoio do marido.

A história, entretanto, também mostra as nuances da diversidade. Na empresa em que hoje trabalha, Luciana organiza times formados com as colegas e que já contam com a torcida de todos os atletas do Silva. “Na olimpíada em Santa Rosa foi emocionante; salão e campo tudo junto homens e mulheres e a torcida muito forte”, conta a atleta pensando nos treinos para os próximos eventos esportivos da categoria.

O futebol como diversão

Associada do SINTCAL, desde 2013, Luciana considera o ambiente em que trabalha como saudável, em vários aspectos. Como mulher negra sabe da importância da luta contra o racismo, “uma violência que inferioriza o corpo do outro “, e diz que esse problema não é vivenciado na empresa. Pelo contrário, “a gente se tornou uma segunda família”, afirma ela, lembrando que até passou por uma crise de ansiedade quando um colega foi demitido.

Batendo um pênalti: feito!

O sindicato é traduzido pela atleta como “grande parceiro; no que pode nos apoia e sempre está ali a auxiliar”, além de oportunizar momentos de lazer com os/as colegas. “Jogar é espairecer, é diversão”, justifica ela, sem deixar de brincar que para buscar o melhor em campo é preciso treinar o físico e o técnico. “Sou do tipo que chega em casa derrubando os armários”, diz, completando em seguida que, cuidando dessa parte, depois “é só abrir os trabalhos”. E para fazer isso, as gurias do Silva dão um jeito: se reúnem em pouso coletivo em Santa Maria e partem para mais uma jornada em busca de troféus e medalhas e muita alegria.